POSSE PRESIDÊNCIA ACM
DISCURSO
- 20/05/2022
“Ninguém
tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao contrário,
tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da fé que Deus lhe
concedeu.” Romanos 12:3
Ilustríssimo
Sr. Professor Doutor e Confrade Vicente de Paulo Leitão de Carvalho, Presidente
do Conselho Consultivo da Academia Cearense de Medicina e Presidente dessa Mesa
Diretora, em nome de quem eu saúdo e abraço todos os demais membros da mesma;
Digníssimos Confrades e Confreiras, seus cônjuges e
familiares;
Saudação especial aos
familiares e amigos dos 5 inesquecíveis próceres que perdemos para o plano
superior, nos últimos tempos: Confrade Sérgio Gomes de Matos, Confreira Lize
Mary, Confrade Pedro Henrique Saraiva Leão, Confrade Roberto Misici e Confrade
José Iran de Carvalho Rabelo. Vocês todos cabem na largueza do coração da nossa
Academia. Cabem, também, na estreiteza do meu coração, as memórias e os
espíritos do meus inesquecíveis pais, José Bezerra e Maria Augusta, assim como,
minha amada mulher Joyce, meus queridos filhos Diego, Igor e Janedson Filho,
minha nora Karina e a mais nova atração da família, nossa netinha Ísis. Amicíssimos
colegas, amigos, autoridades, representantes e convidados presentes. Senhoras e
senhores.
BOA NOITE!
Havia um vazio no seio da
classe médica cearense, quando um iluminado grupo de colegas imaginou e
inaugurou a Academia Cearense de Medicina, em 1978, preenchendo a lacuna
citada. Neste último dia 12 de maio, nossa Arcádia completou 44 anos, com um
histórico de profícuas atividades. Numerosos colegas participaram da caminhada
vitoriosa dessa quarentona, sempre regidos por destemidos Presidentes que, a cada
dois anos, se sucedem sob a unânime benevolência dos pares. Por justiça, os
rememoro, em sequência cronológica: Doutores José Waldemar de Alcântara e
Silva, Walter de Moura Cantídio, Joaquim Eduardo Alencar, Geraldo Wilson da
Silveira Gonçalves, José Borges de Sales, Washington Carneiro Baratta Monteiro,
José Vieira de Magalhães, Jorge Romcy, Raimundo Hélio Cirino Bessa, Aprígio
Mendes Filho, José Wilson Accioly, José Edísio da Silva Tavares, Francisco das
Chagas Oliveira, Vicente de Paulo Leitão de Carvalho, Paulo Eduardo Garcia
Picanço, Antero Coelho Neto, João Pompeu Lopes Randal, Vladimir Távora Fontoura
Cruz, Manassés Claudino Fonteles, Djacir Gurgel Figueirêdo e Pedro Henrique
Saraiva Leão.
Pela majestade científica
e profissional dos nomes elencados, os senhores e senhoras podem fazer ideia da
magnitude da tarefa e quefazeres a mim reservados, nos próximos dois anos.
Serei o servo principal da 23ª gestão da nossa academia, sucedendo vários dos
meus magnânimos mestres. Sem embargo, sou carente de temor, fausto em destemor.
Deverei ser um gestor de comportamento viril, sem temores e sem egoísmo.
Procurarei ser um bom hortelão do jardim acadêmico. Não por engenho ou mérito
pessoal, mas pela Providência que acredito a mim reservada (em tudo!). Além da cabal
colaboração dos meus atuais pares e o aprendizado adquirido junto àqueles
citados, em tudo não passo de instrumento – mesmo sem merecimento – na
consecução dos planos superiores, entre nós inferiores. Por isso, nenhuma honra
me cabe. Tudo aos Altos! Avaliase o bom soldado de cavalaria no campo de
batalha.
Acredito que nem todos os
presentes saibam que a Academia Cearense de Medicina se sustenta em três
colunas estratégicas: Ciência, Ética e História (enquanto cultura). Quão árduos
esforços temos despendido para sustentá-las! Desde o final do século XVIII, em
particular nos últimos 100 anos, elas têm sido sacolejadas, intermitentemente,
no mundo inteiro, até nos atingir, cá, abaixo da Linha do Equador.
A Ciência alterna tempos
gloriosos com fases cadentes, em toda sua trajetória. Aqueles predominam quando
trabalhada a favor da humanidade, da vida. As últimas, cada vez mais
recorrentes, ao contemplar interesses espúrios e marginais, aversos à dignidade
humana. Nossa Ciência Médica, coitada, salvo ilhas e tempos de exceção, caminha
trôpega, ébria, quando não, genuflexa, como testemunhamos em recente pandemia.
Temos permitido que, em torno dos cuidados com a doença e, principalmente, com
a saúde, assentem-se vendilhões e barganhistas inescrupulosos, cujo único
interesse é o lucro financeiro e/ou político. Nossa infraestrutura de
assistência e ensino médicos está sendo apoderada por corporações muito ricas,
frequentemente, com a anuência e cabala de alguns “fazedores de medicina”.
Quantos solavancos tem sofrido a coluna da
Ética, em todas as relações humanas! Parece que o Daimon do Ethos – anjo bom,
benfazejo e protetor, voz profética interior – de Platão em Apologia de
Sócrates, nos abandonou, deixando nossa morada interior inabitável. Nossa casa
interior e mais íntima já não nos pertence, foi invadida por comportamentos
nefastos trazidos, desde nossa pré-história, e agravados por rebentos bárbaros
da modernidade e facínoras da pós modernidade. Quando buscamos uma definição
coerente de Ética, elegemos a que nos ensina a contemplar as virtudes como
único meio de fazer justiça e trazer felicidade e esperança a nós e aos outros,
tudo em um só tempo. Eis o cerne do problema, descuidamo-nos demasiado das
virtudes humanas, devido à nossa raiz de egoísmo e delicadezas egocêntricas.
Chegamos a observar, por vezes, ora vejam, comportamentos éticos mais virtuosos
entre seres subhumanos a nós aparentados.
Na minha peroração de
acolhimento dos confrades Paulo Leitão e Ricardo Pereira ao nosso sodalício, em
setembro de 2017, os alertei, embora de forma desnecessária, que as academias,
assim como outras instituições laicais, costumam ser uma grande ameaça à
salvação das nossas almas. As academias de medicina precisam combater, com
ações e testemunhos, as desordens de atitudes dos homens que nutrem um
exagerado apego a si mesmos, às pessoas e aos bens materiais. É impossível
coadunar os princípios éticos e morais com a vanglória, a vaidade, a soberba e
a ambição desmedida. Quanta ciência, quantos títulos e currículos profissionais
brilhantes são deslustrados pelo orgulho e amor-próprio! A ciência não foi
criada para os cientistas, mas para a humanidade, assim como a ciência médica
não foi criada para os médicos, mas para os doentes. Hasteemos o lábaro da
humildade, sem pusilanimidade e com magnanimidade, pois os conhecimentos não
nos pertencem, apenas nos estão emprestados para o bom cumprimento da nossa
terrena e fugaz missão.
Por fim, a coluna da
História, tão chacoalhada por parte dos historiadores enviesados por
ideologias, interesses promíscuos e terroristas da verdade. A verdade sempre
foi a maior vítima desses maus historiadores. Eles conseguem comprometer o
muito do belo e virtuoso da história humana. Em tempos antigos, o papiro, o
pergaminho e o velino foram menos açoitados por penas inclementes. Sem embargo,
depois da notável invenção da Imprensa pelo alemão Johannes Gutenberg, no
século XV, o papel, inventado pelos chineses e aperfeiçoado pelos árabes,
passou a receber de tudo, a ser acariciado pela verdade e talento dos bons – na
maioria das vezes, felizmente – mas, também, martirizado por vulgaridades e
pulhas ignominiosas. Até a magnífica cosmovisão do Renascimento, inaugurando a
Idade Moderna, no século XVI, foi em parte comprometida e contaminada, até a
Idade Contemporânea que ora vivemos, por uma perseguição abjeta e injusta aos
insignes 1.000 anos da Idade Média, assim como pela imposição do Sofisma de
Protágoras, de que “o homem é a medida de todas as coisas”, alardeando que tudo
é relativo e que não existe uma verdade absoluta. Infelizmente, a história
científica não passa ao largo desses percalços. Eu gostaria de viver, por
exemplo, para ver como a história da recente pandemia será historiada e
historiografada.
Antes que eu possa
parecer cético – e não sou, por acreditar em uma Verdade Absoluta – permitam-me
propor para a nossa Arcádia uma quarta coluna, que funcionará como uma viga de
sustentação das três colunas, nas suas vulnerabilidades. Nossa quarta
coluna/viga atende pelo nome de Amizade Caridosa e Fraterna. Por ser a
viga-mestra, ela harmonizará os discordantes, reunirá e apascentará os
separados, aliviará o peso dos fardos individuais e enriquecerá os pobres de
virtude. Não obstante, teremos que pagar o preço de despir-nos dos
homens-deuses que nos habitam e nos tentam, a todo momento, com a promessa de
glória, honrarias, riquezas e desordens da inteligência e da vontade. As
sandálias das nossas divisões bestiais deverão ser descalçadas na porta de
entrada da nossa Confraria. Não toleraremos arengas por nossas saudáveis
diferenças, quer sejam políticas, religiosas ou ideológicas, mas, ao contrário,
as harmonizaremos pela seiva da Sincera Amizade. Cuidemo-nos pelo ensinamento
de Chesterton:
“Jesus Cristo nos pede
para amar o inimigo, não somente os amigos, porque, geralmente, são as mesmas
pessoas”.
Convoco todos os
confrades e confreiras, professores e mestres de várias gerações de médicos –
por isso, referência para os mais jovens – a serem propugnáculos das nossas
sagradas colunas. Cuidemos da Ciência Médica inaugurada por Hipócrates,
iniciada para a eterna modernidade por William Osler e humanizada por
personagens como a colega americana Raquel Naomi Remen, defensora de que
“...apesar da imprescindível boa formação técnica, com frequência, servimos
mais por meio do que somos do que daquilo que sabemos”. Não arredemos dos
Princípios Éticos balizados pela moral e consciência, verdadeiros cães de
guarda do nosso comportamento. Para que, finalmente, possamos escrever nossa
História, fazendo brilhar no nosso peito a pedra preciosa da Justiça,
conduzindo às mãos, a espada de dois gumes da Verdade e saboreando o ápice da
loucura da Liberdade, em todas as suas nuances.
Anseio que nosso
Sodalício seja um templo de gáudio, bemaventuranças e regozijo. Que nossa
convivência seja marcada pela alegria e deleite de fraternos irmãos! Que nossa
nau possa singrar por este tempestuoso mundo pelas mãos dos remadores
acadêmicos, crentes que o leme acolhe um comando superior. Desfraldemos a vela
da caridade, que nos conduzirá ao porto da salvação, ao sabor do vento do
desejo santo. Toda nossa Academia, do mais simples funcionário ao mais
honorável membro, tenha-me como vosso servo, quase escravo, destinado ao
cumprimento de uma missão que terá como fulcro a reabilitação e valorização da dignidade
humana, que, como nos ensina Santa Catarina de Sena, “nenhuma língua será capaz
de descrever, nem olho de ver ou coração para perceber, em toda sua extensão”.
Finalmente, procurarei
ser fiel imitador de Paulo, que se tornou o pequeno, após a queda do cavalo
branco de Saulo, que se pensava grande, iluminado pela divina e redentora Luz.
Nenhuma honraria, prestígio desordenado ou aplausos dos homens mais notáveis me
embevecem, nem me impedirá da busca incessante e quase impossível de alcançar a
coroa da vida eterna. Prometo cuidar da nossa Arcádia, nos próximos dois anos,
com garra semelhante à guerreira Santa Joana D’Arc, isto é, “esperando tudo de
Deus, como se eu não pudesse fazer nada sozinho; e esperando tudo de mim mesmo,
como se Deus não existisse”. Que Nossa Senhora nos recomende ao Coração de
Jesus pelas nossas ações!
Muito obrigado!
Janedson Baima
Bezerra
Cadeira No. 60 -
ACM